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ATO NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS PODE DEFINIR O PREÇO DO COMPARTILHAMENTO?

  • Foto do escritor: Alexandre Lopes
    Alexandre Lopes
  • 19 de abr. de 2023
  • 55 min de leitura

Atualizado: 20 de abr. de 2023



1 Fundamentos que autorizam a definição do preço do compartilhamento em ato normativo

1.1 O preço de referência pode ser utilizado nos processos de resolução de conflitos

A Resolução Conjunta Aneel e Anatel nº 004/2014 estabeleceu o valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos) como preço de referência do ponto de fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, referenciado à data de publicação da Resolução.[1]

A Procuradoria Federal da Aneel enfrentou essa discussão e atestou a competência legal do regulador para disciplinar os preços de uso compartilhado das infraestruturas de transmissão e distribuição de energia, bem como a possibilidade de exercê-la em conjunto com o regulador de telecomunicações.[2]

O arcabouço regulatório atual, no entanto, não prevê o tabelamento de preços, considerando que o valor indicado em Resolução é utilizado apenas como referência, não tem aplicação compulsória para todos os casos e tem incidência dos processos de resolução administrativa de conflitos. De fato, a sua aplicação não é automática, mas incentivada.

Diante do quadro regulatório atual, cumpre descobrir se as agências reguladoras poderiam estabelecer o preço pelo compartilhamento em ato normativo, geral e abstrato, independentemente da existência de conflitos entre os agentes regulados.

Destaca-se que o compartilhamento não se confunde com a prestação do serviço de distribuição, porém, não representa atividade comum sujeita à regra da livre negociação e da livre formação dos preços, assim motivando a intervenção de preços pelas agências reguladoras.


1.2 O compartilhamento não se confunde com a prestação do serviço de distribuição de energia elétrica

O uso secundário dos postes pelas empresas de energia é autorizado pela Lei Geral de Concessões[3] e pelos contratos de concessão,[4] que autorizam as concessionárias a buscar receitas alternativas. De acordo com os contratos de concessão, o compartilhamento de infraestrutura se dará mediante instrumento contratual próprio, a título oneroso.

Segundo Sundfeld, o art. 11 da Lei nº 8.987/1995 não autoriza a Agência Nacional de Energia Elétrica a estabelecer condições econômicas pelo uso secundário dos postes, visto tratar-se de uma atividade que não se confunde com a prestação de serviço de distribuição de energia, tampouco faz parte da concessão de serviço público. Conforme o autor, o “compartilhamento não passa de uma atividade empresarial como outra qualquer”.[5]

Com efeito, a atividade de compartilhamento não se confunde com a prestação do serviço público atribuído à concedente. De fato, a atividade de compartilhamento refere-se à exploração secundária da infraestrutura, sendo, portanto, regido por instrumento contratual distinto.

Contudo, apesar da existência de dois regimes, que distinguem a prestação dos serviços de distribuição e transmissão de energia elétrica e a exploração do uso secundário dos postes, o compartilhamento não é uma atividade empresarial como outra qualquer.


1.3 O compartilhamento de infraestrutura não é uma atividade econômica qualquer

É possível demarcar diversas evidências reais e reconhecidas pelos normativos vigentes atestando que a atividade de compartilhamento observa regime jurídico diferenciado em comparação com as atividades econômicas regulares. Ademais, a Lei Geral de Telecomunicações pontifica o direito ao compartilhamento em norma cogente, estabelecendo as condições gerais para o exercício do direito,[6] enquanto a Resolução Conjunta Aneel/Anatel/ANP nº 001/1999 estabelece as condições essenciais do contrato de compartilhamento, evidenciando o necessário dirigismo ao determinar as cláusulas necessárias ao contrato.[7]

A eficácia do contrato de compartilhamento de postes é condicionada à homologação, pela agência reguladora, do setor de atuação do detentor da infraestrutura.[8] É possível não homologar o contrato de compartilhamento caso as condições contrariem a lógica das políticas públicas para o setor. Se efetivamente a regulamentação específica impõe a necessária homologação, incabível o entendimento sustentado de que não seria possível o controle das condições pelas agências reguladoras.

Os postes de energia elétrica compõem o conceito de infraestrutura afetada ao serviço público de energia elétrica, são classificados como bens de natureza pública, sujeitos a um regime jurídico não exclusivamente privado. A natureza dos postes modula a forma de intervenção diferenciada do Estado, considerando que a destinação e a exploração do bem público deve se compatibilizar com os interesses públicos e aos serviços públicos.

A relação jurídica decorrente do compartilhamento observa regime jurídico de direito público, portanto, a relação de compartilhamento possui características inerentes à servidão administrativa.

Nesse cenário, a remuneração decorrente do compartilhamento não se caracteriza como tarifa, porém, se aproxima de uma indenização, que guarda referibilidade com os custos suportados pela detentora da infraestrutura. Assim, é mitigada a liberdade para a formação do preço do compartilhamento.

De fato, existem motivos econômicos para a intervenção do Estado na atividade de compartilhamento, principalmente inspirado pelo monopólio e pela doutrina da essential facility.

Diante de redes caracterizadas como única alternativa para o compartilhamento, se afigura a adequada regulação do processo de precificação do compartilhamento, balizada por modelos de custos,[9] sendo necessário um regime de tratamento e aplicação uniforme das condições de compartilhamento a que são sujeitas as prestadoras de serviços de telecomunicações. As condições de acesso à infraestrutura afetam de forma determinante a competição no setor de telecomunicações.

Com efeito, o preço de acesso às instalações essenciais não é uma questão atomizada, restrita a determinada empresa ou circunstância, apesar da necessidade de observância de considerações das contingências locais para a fixação dos preços. Assim, diante da possibilidade do controle prévio de preços, as agências reguladoras devem analisar o grau de ocupação local e as circunstâncias contingenciais para a formação de preços diferenciados a partir de estudos dinâmicos, atualizáveis e flexíveis. A imposição de preço único, para todas as localidades, é artificial e não aderente à realidade do mercado, mas em determinada localidade, ocorrendo a incidência das mesmas condições, o preço de compartilhamento deve ser uniforme.

Como observado, a liberdade negocial é frustrada pelas características do próprio mercado, dada a consideração de que os preços de compartilhamento são formados, em regra, pela manifestação unilateral da detentora da infraestrutura, sem a participação ou negociação de fato.

Desse modo, a ausência da liberdade negocial de fato concretamente observada é a razão da regulação econômica.[10] As razões do monopólio são suficientes para justificar, do ponto de vista econômico, a drástica intervenção do controle prévio dos preços, medida excepcional legítima, em ambientes não competitivos. A regulação dos preços de acesso é medida eficiente para incentivar a competição nos setores que dependem de infraestrutura.[11] Com efeito, o compartilhamento é uma atividade diferenciada, sujeita a um regime jurídico distinto das atividades econômicas regulares.

Resta ainda o desenvolvimento de três questões fundamentais a respeito da legítima intervenção do controle prévio de preços do compartilhamento dos postes.

É ainda necessário verificar o grau de intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no mercado relevante e se a atuação do CADE seria suficiente para inibir o abuso da fixação dos preços de compartilhamento, esvaziando, com isso, a necessidade de controle prévio de preços pelas agências reguladoras.

A segunda questão ainda pendente de desenvolvimento refere-se ao respaldo do ordenamento jurídico para a atuação das agências reguladoras no sentido de fixar previamente o preço do compartilhamento. Para tanto, propõe-se a análise do problema a partir da percepção moderna de juridicidade. Nesse sentido, caso seja comprovada a juridicidade da medida de controle prévio de preços por meio de ato normativo, cumpre verificar a possibilidade de aplicação dos preços aos contratos vigentes.


1.4 O compartilhamento não representa atividade econômica comum sujeita à regra da livre negociação e da livre formação dos preços

Para a análise da juridicidade da competência das agências em fixar o preço do ponto de fixação em ato normativo, é necessário desconstruir o entendimento de que o uso secundário do poste pelas prestadoras de telecomunicações instaura uma relação jurídica contratual à semelhança da locação de um espaço físico. Com efeito, o compartilhamento não representa uma atividade econômica comum sujeita à regra da livre negociação e da livre formação de preços.[12]

O compartilhamento dos postes para o setor de telecomunicações observa regime distinto das atividades secundárias permitidas ao concessionário pelo art. 11 da Lei nº 8.987/1995.[13]


1.5 A competência regulatória da Aneel sobre o preço do compartilhamento dos postes de energia elétrica

A Agência Nacional de Energia Elétrica é competente para estabelecer as condições do compartilhamento, como já explicado, contudo, é aconselhável a participação da Agência Nacional de Telecomunicação na formação das condições para o compartilhamento, de forma a subsidiar os estudos de precificação e modelos de custos necessários para a regulação do preço. Nesse cenário, os agentes regulados estão sujeitos a regimes jurídicos distintos, estabelecidos por normas expedidas por diferentes agências reguladoras.

A Aneel deve considerar a realidade econômica das prestadoras de telecomunicações e seus consumidores, de forma a observar as condições técnicas e os impactos da fixação dos preços para o compartilhamento. Para tanto, a participação da Anatel torna-se fundamental na formação da metodologia do cálculo para fixação do preço do compartilhamento, a partir de dados técnicos e econômicos fornecidos pela Anatel.


1.6 A competência do CADE

O controle de preço do ponto de fixação em postes é justificado pela existência de um mercado monopolista. Tendo isso em vista, qual seria a participação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)? O CADE é a autoridade judicante, autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, e tem por propósito a manutenção do equilíbrio do sistema econômico.

A seu turno, a Lei nº 12.529/2011 institui o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, estabelecendo, como objetivo central da política da concorrência, a proteção do bem-estar do consumidor.[14] Conhecida como a Lei de Defesa da Concorrência, se aplica às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, agentes regulados ou não, ainda que exerçam atividade sob regime de monopólio legal,[15] o que permite a introdução de elementos concorrenciais em setores regulados.[16]

O CADE atua de forma complementar e equilibrada nos setores regulados, em conjunto com as agências reguladoras setoriais, entidades que possuem atribuições dirigidas à preservação da ordem econômica em setores essenciais para o desenvolvimento nacional. Esse é o caso da Anatel e da Aneel, setores de infraestrutura.

Com efeito, não existe preferência ou hierarquia entre as atribuições dirigidas ao CADE ou agências setoriais,[17] uma vez que as atribuições são conciliáveis e não excludentes. Nesse sentido, a defesa da ordem econômica e a regulação setorial são atribuições constitucionais do Estado partilhadas entre as entidades administrativas.

De fato, a atividade judicante do CADE não é condicionada à existência ou não de regulação específica da matéria, mas, havendo regulamentação, são necessárias consideração e deferência, dado que esse Conselho não tem o poder de revisão dos atos normativos ou das decisões emanadas das agências setoriais; compete-lhe, então, verificar a existência de infrações à ordem econômica,[18] considerando as especificidades do caso concreto.[19]

Ao CADE compete analisar a existência de condutas anticompetitivas, inclusive em mercados regulados,[20] realizando a interação entre a regulação técnica, econômica e a defesa da concorrência.[21]

Nesse escopo, são as seguintes as condições necessárias para a caracterização de condutas anticoncorrenciais relacionadas ao acesso à infraestrutura essencial: (1) a infraestrutura deve ser controlada por um agente monopolista; (2) impossibilidade técnica, prática e/ou econômica de duplicação da infraestrutura de acesso; (3) viabilidade de disponibilização do acesso; (4) negativa de acesso à infraestrutura.

A partir de diligências investigativas e instrutórias desenvolvidas em processo administrativo sancionador,[22] o CADE pode aplicar medidas concretas para a correção ou sanção às irregularidades encontradas, porém, as situações operacionais específicas de cada setor regulado é atribuição das agências setoriais.

A Lei nº 12.529/2011 evidencia e consagra a autoridade das agências setoriais nas matérias reguladas ao prever a necessidade de colaboração e assistência ao CADE sobre matérias de sua competência.[23]

Diante da necessária complementariedade evidenciada, busca-se critérios para definir qual o órgão mais apropriado para atuar em determinados casos concretos,[24] no entanto, é complexo definir os limites de atribuições do regulador setorial e dos órgãos antitruste quanto à regulação econômica, no estabelecimento de preços, tarifas e condições de acesso. A atividade dos órgãos deve ser preferencialmente complementar[25] e, no caso específico do compartilhamento de infraestrutura, as agências setoriais possuem mais condições para estabelecer, de forma geral, as diretrizes necessárias ao compartilhamento.

Os preços dos pontos de fixação nos postes são naturalmente fixados pela detentora da infraestrutura. Rotineiramente, as prestadoras de serviços de telecomunicações denunciam às agências setoriais a ocorrência de preço abusivo.

Na hipótese de entidade monopolista de infraestrutura essencial é possível a imputação do abuso do poder de mercado por prática de preço abusivo, que tenha por objeto o aumento arbitrário de lucro ou exercício de forma abusiva de posição dominante.[26] Contudo, tal previsão é residual, aplicável na ausência de regulação setorial que regulamente a questão,[27] dada duas questões de ordem prática: a dificuldade da definição, pelo CADE, do preço justo e a consideração de que os efeitos da decisão do CADE são naturalmente limitados aos agentes em conflito, o que resulta em uma interferência pontual, mas não sistemática, no setor.

Segundo a lei de defesa da concorrência, inspirada nas considerações da OCDE, preço abusivo pode ser caracterizado como “preços definidos significativamente acima do nível de preços de concorrência, como resultado de monopólio ou de poder de mercado”.[28] Sobre a análise do preço abusivo, verificam-se duas posições históricas no CADE definindo a sua caracterização: (1) o preço abusivo é decorrente de alguma conduta ilícita prévia (e.g., o cartel); (2) o preço abusivo caracteriza uma conduta autônoma, desde que tenha um caráter exclusionário como efeito. Atualmente, prevalece a primeira concepção, considerando-se que a caracterização da conduta de fixar preço abusivo é dependente da comprovação de prévia conduta anticompetitiva.[29]

Conforme consagrada jurisprudência norte-americana, a lei antitruste não é um estatuto de controle de preços.[30] Isso porque, se o monopolista conquistou posição dominante no mercado relevante de forma legítima[31] (sem violação da lei antitruste), o preço deve ser estabelecido conforme os mecanismos de adequação do próprio mercado.

Assim, para que o CADE venha a atuar na repressão do abuso na formação do preço do compartilhamento, é necessária a comprovação de outra conduta anticompetitiva anterior (o preço abusivo não é uma conduta per se,[32]mas sim consequência de outra infração cometida pelo agente econômico detentor de poder de mercado),[33] o que no caso, inviabiliza a atuação do CADE no compartilhamento dos postes.

Com efeito, a conduta anticompetitiva caracterizada pelo preço abusivo é naturalmente praticada por agente que pretende excluir competidor do mercado, conduta própria de entidades verticalmente integradas,[34] mas incomum no caso de compartilhamento de postes, já que a distribuidora de energia elétrica não presta serviços de telecomunicações, salvo exceções pontuais.

No caso dos postes (PA nº 08012.002716/2001-11), o critério da racionalidade econômica da conduta foi fundamental para a conclusão adotada pela Superintendência ao opinar pelo arquivamento do processo. Foram levados em consideração, entre outros aspectos, (i) a reversão à modicidade da tarifa de energia elétrica incidente sobre a maior parte da renda auferida com o compartilhamento dos postes; (ii) a constatação de que a Representada não privilegiou empresa do seu grupo econômico em detrimento da concorrência; (iii) o fato de a atividade de compartilhamento ser apenas acessória à atividade-fim da Representada, que consiste na distribuição de energia elétrica

O CADE, inclusive, já pontuou que não é competente para “arbitrar” as condições de compartilhamento, considerando a existência de entidades regulatórias competentes para “arbitrar” conflitos negociais sobre o preço do compartilhamento,[35] assim reconhecendo a competência normativa das agências reguladoras.[36]

A imposição do preço do compartilhamento não é uma conduta anticompetitiva, mas sim resultado da dinamicidade do mercado, caracterizado pelo monopólio natural. A aplicação de altos preços impostos pelas Distribuidoras não caracteriza ilícito concorrencial.[37]

A autoridade antitruste naturalmente encontra mais dificuldades em definir o preço justo e adequado na relação de compartilhamento. Trata-se de questão complexa do ponto de vista técnico, diante do limitada informação e existência de competências especializadas dos órgãos antitrustes.[38]

Pelo exposto, o CADE reconhece que não cabe aos órgãos antitrustes a definição do preço pelo compartilhamento, sobretudo em consideração ao mercado regulado por agências específicas.[39]


2 Juridicidade do ato normativo de fixação do preço

2.1 O controle de preço e a intervenção no domínio econômico

O controle de preços recai sobre atividades econômicas em sentido próprio, diferente do regime jurídico das tarifas. Assim, o controle de preços revela forte intervenção do Estado no domínio econômico, ao subtrair dos agentes econômicos a liberdade para a formação do preço.[40]

O controle prévio de preços é medida excepcional de dirigismo econômico.[41] Admite-se, com efeito, o controle prévio de preços diante da inexistência efetiva das forças de mercado que inspiram a livre iniciativa e a livre concorrência.[42] Nesses casos, se o preço é unilateralmente imposto, não há de se proteger a livre iniciativa, dada a sua real e fática inexistência.


2.2 O controle de preços demanda prévia e expressa determinação legal?

De fato, existem razões econômicas e jurídicas que motivam o controle prévio do preço pelo compartilhamento.

Diante das diversas razões de ordem prática, é necessário descobrir a existência de autorização legal, que habilita as agências reguladoras ao controle prévio dos preços.[43]

O fundamento de validade que autoriza a competência da Aneel para fixar o preço pelo compartilhamento dos postes depende de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais, inclusive analisando de forma analógica hipóteses semelhantes aplicáveis a outros setores.

(1) Segundo o art. 58 da Lei nº 9.478/1997,[44] qualquer interessado pode usar a infraestrutura necessária, cabendo ao órgão regulador verificar a compatibilidade do valor acordado com o mercado e fixar o valor caso não haja acordo entre as partes.

(2) Segundo o art. 3º da Lei nº 9.427/1996,[45] os Fornecedores e respectivos consumidores de energia têm direito de usar os sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público mediante ressarcimento pelo custo envolvido. Relativamente a essa transação, a Aneel tem duas competências expressamente dadas pela lei: uma, fixar os critérios para cálculo do preço que será negociado livremente pelas partes envolvidas (e não o preço em si); e, duas, arbitrar os valores – apenas na hipótese de negociação frustrada – entre os agentes envolvidos.

(3) Segundo o art. 153 da Lei nº 9.472/1997,[46] as prestadoras têm o direito à interconexão de redes, sendo o preço a ser pago pelo uso da rede alheia formado através da livre negociação entre os interessados, autorizando a Anatel a arbitrar os valores, não havendo acordo entre os interessados. No presente caso há uma distinção: o compartilhamento de infraestrutura é intersetorial, mas isso não invalida a interpretação sistemática como método de interpretação do art. 73 da Lei Geral de Telecomunicações.

O artigo 73 da Lei Geral de Telecomunicações confere o direito, à prestadora de serviços de telecomunicações, de interesse coletivo ao acesso aos postes das distribuidoras de energia elétrica. O direito deve ser exercido em condições não discriminatórias e a preços justos e razoáveis. A lei ainda confere a atribuição, à agência reguladora titular da infraestrutura, para controlar o adequado atendimento ao exercício do direito de acesso.

A não interferência do preço do compartilhamento pressupõe o reconhecimento e a defesa da livre formação do preço pela vontade das partes, mas não é a lei que define se há possibilidade de livre negociação, mas sim o próprio mercado. Se a prestadora depende do poste para a sobrevivência e existe a inviabilidade de duplicação, o detentor possui de fato poder de estabelecer unilateralmente o valor. Não importa o quanto a dita lei for categórica determinando a livre negociação, o fato é que não haverá negociação.

Como observado, na maioria das vezes a distribuidora de energia elétrica oferece à prestadora um contrato de adesão e apresenta o preço não negociável pelo compartilhamento. Considerando que não há de fato concorrência e que o preço é um elemento essencial para o regular exercício do direito ao acesso, é necessário reconhecer a existência de previsão legal que autoriza, no mínimo, a interferência no preço.

A par dessas questões, apresenta-se a seguir uma breve provocação sobre a rígida percepção do princípio da legalidade. Tal concepção não subsiste diante da noção mais abrangente de juridicidade e instrumentalidade do direito.

Tradicionalmente, afirma-se que a liberdade administrativa é modulada pelo princípio da legalidade. O Estado é subordinado ao regime da legalidade, sob a vigilância do Judiciário.[47] Dessa forma, a aplicação do princípio da legalidade tradicional tem o sentido de restringir a atuação estatal, considerando que o Estado somente poderia agir em obediência à lei, cumprindo-a.[48] Nesse sentido, Seabra Fagundes[49] define função administrativa como a aplicação da lei de ofício. Segundo o autor, administrar é aplicar a lei de ofício.

A conceituação tradicional do princípio da legalidade qualificada no âmbito administrativo determina que a atuação administrativa seja correspondente aos ditames da lei. Isto é, o agente público não poderia agir se a lei não prescrevesse ou facultasse a sua atuação. Tal percepção do princípio da legalidade é imediatamente contraposta à legalidade presente nas relações particulares, no sentido de que os particulares podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, em atenção à autonomia privada.

Conta a história que o Direito Administrativo nasceu da subordinação do poder à lei, em atenção à necessidade de preservação de direitos individuais, sobretudo o direito à liberdade em face do arbítrio do Estado (representado pelo Antigo Regime). Sendo assim, ensinou-se que a gênese do Direito Administrativo é garantística, reveladora da motivação da atuação estatal – a consecução do interesse público.

Sem embargo, as ditas bases do Direito Administrativo, que justificam as prerrogativas da Administração Pública, são parcialmente mitológicas.[50] No mesmo sentido, Gustavo Binenbojm[51] assevera que o surgimento do Direito Administrativo não representa uma ruptura garantística, mas uma tentativa de reprodução de práticas administrativas do Antigo Regime, à medida que a atuação administrativa se revelava superior aos particulares e imune ao controle, amparada pela justificativa da supremacia do interesse público.[52]

A história formal, no entanto, não conta que o interesse público não existe em abstrato, mas é resultado da ponderação em concreto dos diversos interesses identificados no curso da tomada de decisão. Dessa forma, a lei é incapaz de definir o que é o interesse público e a forma de realizá-lo, dado o enorme pluralismo existente na sociedade, refletida na própria composição do Poder Legislativo. De fato, não existe apenas um interesse público.

Como observa Carlos Vinícius Alves Ribeiro,[53] a identificação do interesse público demanda a caracterização de um direito subjetivo compatível. Em suas palavras:

O interesse público só é aquele positivado no ordenamento jurídico, seja ele por regras ou por princípios. Vale dizer, para que o interesse público seja, de fato, superior, é necessário um direito subjetivo específico com ele congruente. Com isso já se fixam as balizas de onde estaria o interesse público. Exatamente no ordenamento jurídico, que pelo princípio democrático entroniza no sistema as aspirações e reclames coletivos. Sendo direto: o “interesse” é público quando é “direito”.

Nesse escopo, deve-se ter em conta a funcionalização dos interesses públicos, a sua abstração a reclamar a presença concreta da pessoa, em sua dimensão existencial, como centro do ordenamento, seja direito público ou privado. É o sujeito, em sua dignidade, a justificativa da existência do próprio Estado.

A interpretação da lei comporta uma margem autônoma de criação, revelando um conteúdo de vontade inerente à Administração Pública, seja no alcance da definição de suas tarefas, seja na extensão da análise para a tomada de decisões. Com efeito, o Estado tem um dilatado campo de liberdade para desempenhar a função formadora do direito.[54]

Por certo, em diversos setores da economia a lei apenas contém diretrizes que devem ser detalhadas pela Administração Pública, a partir de parâmetros abertos e gerais. Evidencia-se, com isso, a crise da lei formal diante das crescentes atribuições e demandas dirigidas à Administração Pública, considerando a complexidade das relações econômicas e sociais. Isso determina a multiplicação dos ordenamentos jurídicos setoriais e o fenômeno da deslegalização do ordenamento jurídico.

Presencia-se a impossibilidade de a lei formal prever todas as múltiplas atribuições regulatórias, incompatíveis com o moroso processo legislativo, ou a necessidade de consideração de questões técnicas, que demandam do Poder Executivo atribuições normativas diretas. Nesse sentido posiciona-se Gustavo Binenbojm:

De fato, no exercício da função regulatória o Estado deve estar preparado para as inúmeras questões de ordem técnica que devem ser prontamente atendidas. Não sendo a lei formal e a estrutura parlamentar – com o seu moroso processo legislativo – capazes de tratar dessas questões de maneira adequada, resta ao Administrador fazê-lo. E absolutamente impossível (e indesejável) que todas as múltiplas atribuições e necessidade de decisões administrativas regulatórias pudessem estar previamente determinadas pela lei. Daí a fixação de atribuições normativas diretas para o Poder Executivo, distribuídas por suas múltiplas estruturas.[55]

A crise da lei formal é um fenômeno universal e corresponde à crise de legitimidade do próprio Parlamento. Conforme ensina Louis Favoreu,[56] há a dessacralização da lei, considerando que a lei formal não é concebida como expressão da vontade geral ou padrão central de correção da conduta, dada a constatação do potencial da lei ser fundamento de grandes injustiças.

Diante desse fato, conforme Marçal Justen Filho,[57] a realidade sociopolítica impulsiona a necessidade de um novo instrumental teórico, de forma a superar a fundamentação filosófica que inspirou o Direito Administrativo do século XIX. É imperioso que o princípio da legalidade, ou mesmo a discricionariedade administrativa, evolua de forma a sustentar os desafios impostos pela sociedade ao instrumental próprio desse Direito.

Como resposta da crise da centralidade à lei formal, faz-se necessária a constitucionalização do Direito Administrativo como forma de criar unidade ao arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo. A Constituição passa a ocupar o centro de atuação da Administração Pública, agora vinculada à juridicidade.

De acordo com Maria Celina Bodin,[58] a Constituição ocupa a centralidade do ordenamento, conferindo unidade, inclusive sobre as regras de direito privado, o que propicia validade e unidade ao ordenamento jurídico.

De acordo com Luís Roberto Barroso,[59] a constitucionalização do Direito determina a irradiação material e axiológica da Constituição por todo o sistema jurídico, repercutindo em todas as relações jurídicas.[60]

A Constituição da República, além de ser norma hierarquicamente superior, veicula valores e fundamentos basilares à organização social.[61] A partir da constitucionalização do direito, a definição do Direito Administrativo passa a estar associada à realização dos direitos fundamentais. Assim, a dignidade humana é erigida como vértice de todo o ordenamento jurídico, valor que conforma todos os ramos do Direito, seja público ou privado.[62]

Nesse sentido, a Constituição substitui a centralidade da lei formal e atribui espaço normativo primário ao Poder Executivo desprendido do Poder Legislativo, inclusive quanto à organização, ao funcionamento e às atribuições da Administração Pública, ao passo que o Direito Administrativo se ocupa da disciplina das atividades administrativas ordenadas à realização dos direitos fundamentais.

Com efeito, a Constituição passa a conferir parâmetro primário direto e imediato habilitador das competências administrativas, propiciando-lhe fator de legitimação das tomadas de decisões administrativas. Nesse sentido, a atuação administrativa encontra limite e amparo imediato em regras e princípios constitucionais.

Apesar da importância da legalidade para a definição da noção de juridicidade, algumas atribuições e funções podem não depender da mediação expressa do legislador, à medida que princípios e regras constitucionais podem legitimar diretamente a atividade administrativa.

No caso do compartilhamento dos postes, existe de fato uma autorização legal e compete à Administração Pública ponderar a respeito dos princípios constitucionais. O que está em jogo é a possibilidade de um conflito entre a livre iniciativa (liberdade contratual) e o direito ao acesso à infraestrutura.

Na maioria dos casos, a liberdade contratual efetivamente não existe. Se o prestador de telecomunicações não tem o poder de negociar o preço e necessita da infraestrutura para a prestação do serviço, não se apresenta a livre iniciativa. Nesses casos, o feixe de proteção deve ser maior, a justificar mais intervenção, inclusive o controle prévio de preços, até mesmo por ato normativo infralegal, a partir da enunciação de critérios gerais, razoáveis e amplamente discutidos pela sociedade.

De fato, a atividade administrativa, intervenção do Estado, é legitimada pelo princípio democrático, preservação e promoção da igualdade.[63] Essa intervenção é legitimada pela promoção da justiça distributiva, assim realizando o Estado Democrático de Direito.[64]

Pelo exposto, os princípios e as regras constitucionais formam o substrato e o paradigma imediato tanto da organização quanto da atividade administrativa. Esta se desenvolve vinculada ao juízo de juridicidade administrativa. Diante da superação do positivismo legalista, que centra a organização e a atuação administrativa à mecanicidade da mera aplicação da lei,[65] a Administração Pública passa a não estar mais circunscrita aos estritos limites da lei, mas vinculada à juridicidade, ao bloco de legalidade, ao sistema jurídico como um todo.

De fato, a interpretação e a aplicação do direito são submetidas à leitura dos valores constitucionais, na medida em que todas as decisões devem encontrar justificativa na própria Constituição.[66] Observa-se, então, que tanto a Administração Pública como o legislador ordinário são progressivamente mais vinculados aos parâmetros constitucionais em matéria de política econômica e social.[67]

Nesse escopo, considerando o paradigma constitucional, percebe-se que a função regulatória do arbitramento administrativo por meio do controle prévio de preços se legitima pela própria urgência, complexidade e natureza da regulação setorial conferida pela Constituição. Logo, o arbitramento administrativo é legítimo e encontra previsão na lei formal, estando autorizado pelo sistema jurídico.


3 Aplicação aos contratos vigentes

A Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras, conforme o arcabouço regulatório atual, não estabelece o preço pelo compartilhamento, diferente do contrato vigente.

A jurisprudência firmada pela Comissão apresenta como fundamento a observância das garantias constitucionais que compõem o valor da não surpresa e a segurança jurídica, dada a necessária proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.[68]

A Comissão de Resolução de Conflitos ainda considera que a aplicação do preço de referência, em período anterior à decisão da Comissão (aplicação retroativa dos valores), teria o efeito de premiar a conduta litigiosa da parte que se recusa a negociar a renovação contratual, premiando a atuação desleal, em afronta aos arts. 187 e 422 do Código Civil.[69]

Caso, eventualmente, as agências reguladoras, venham a editar ato normativo que fixe o preço do ponto de fixação nos postes em decorrência do compartilhamento, será pertinente a indagação a respeito da aplicação do preço fixado aos contratos vigentes.

A primeira observação é que os contratos de compartilhamento são previamente homologados pelas agências reguladoras. A autoridade administrativa chancela e atesta regularidade aos contratos, inclusive com relação ao preço e à cláusula de vigência.

Os efeitos já completados decorrentes do contrato não podem ser desconstituídos. Conforme o art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,[70] é possível a revisão do ato ou contrato, porém, a nova orientação geral não alcança os efeitos já constituídos. De outro modo, a segurança jurídica, postulado constitucional,[71] seria frontalmente violada.

O contrato de compartilhamento, contudo, é um ato jurídico instantâneo, em consideração a um momento específico de celebração, mas seus efeitos se protraem no tempo, em razão da existência de relação continuada e sucessiva. Nesse sentido, é possível a aplicação imediata da nova norma que fixa o preço de compartilhamento, diferente da cláusula expressa no contrato? É possível a revisão do contrato homologado?

Naturalmente, a questão é controversa. Para a resposta, é necessário considerar o princípio da confiança, a ponderação entre a segurança jurídica e a legalidade, as razões inspiram a mutabilidade do contrato de concessão e conduzem à conclusão de que o bloco regulamentado do contrato não fere o direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

3.1 O princípio da confiança

Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica[72] são essenciais para o Estado de Direito, na medida em que resguardam os atores do advento de normas supervenientes e, por vezes, imprevisíveis, que impossibilitariam o planejamento e, até mesmo, os investimentos em infraestrutura de longo prazo, dado o incremento do risco em razão da instabilidade dos acordos.


3.2 A ponderação entre segurança jurídica e legalidade

Se o contrato de compartilhamento homologado contiver previsão de preço diferente da constante no ato normativo estabelecido pelas agências reguladoras, ocorrerá um conflito entre o contrato e a norma.

Diante desse conflito, faz-se necessária a ponderação entre dois valores. O primeiro é a segurança jurídica, inspirada pela confiança legítima dos regulados no contrato firmado. O segundo valor é o próprio princípio da legalidade, em atenção à uniformidade conferida pela generalidade e abstração da norma, possibilitando à Administração Pública estabelecer o regramento mínimo do compartilhamento, conforme as circunstâncias e os parâmetros adequados ao caso.[73]


3.3 As razões que fundamentam a mutabilidade do contrato de concessão

O contrato de compartilhamento não é um contrato de concessão, porém, deve observar o regime jurídico não exclusivamente privado. A seu turno, é necessário reconhecer que o contrato de concessão pode ser alterado durante a sua vigência em razão da mutabilidade das condições de execução, dada a natural incompletude das previsões contratuais, motivando a adequação do ajuste em razão de fatos supervenientes que afetam a execução das prestações.[74]

A relação jurídica decorrente do compartilhamento tem natureza híbrida, se aproximando de uma servidão administrativa, e o ajuste entre as partes, dadas as características do mercado, não é de fato pautado pela liberdade negocial, considerando a imposição do preço pelo detentor da infraestrutura. Nesse sentido, a remuneração decorrente do compartilhamento observa também regramento peculiar, já que deve estar atrelada ao custo da atividade suportada pela detentora da infraestrutura.

Nesse ponto o contrato de compartilhamento é incompleto, considerando que a previsão do preço, por mais que existam regras de reajuste, é incapaz de considerar as circunstâncias dinâmicas que orbitam o custo do compartilhamento. Além disso, em contratos incompletos[75] faz-se necessário o reconhecimento da flexibilidade e da mutabilidade da relação, em virtude das alterações e circunstâncias no curso de relação dinâmica continuada e de trato sucessivo. O compartilhamento é regido notoriamente pelo contrato celebrado entre as partes, mas a regência é incompleta, o que torna evidente as lacunas diante do transcurso do tempo do relacionamento entre as partes.

O compartilhamento é sujeito a ampla regulação estatal. O relacionamento entre as partes é uma imposição legal e o preço deve ser o reflexo do custo do compartilhamento suportado pela detentora da infraestrutura. O advento de ato normativo que estabeleça critérios para a precificação do compartilhamento tem aplicação imediata, a formação do preço é dinâmica e deve ser apurada ao longo do tempo conforme as circunstâncias locais e contingenciais.

A regulação só pode ser estável e perene se for mutável. Hoje o custo e o correspondente preço do compartilhamento, conforme critérios que devem ser enunciados na norma, representa determinado valor que, em períodos subsequentes, precisa ser revisto, não apenas reajustado, conforme índice previamente estabelecido.

A certeza da mudança é uma premissa de segurança”,[76] como observa Egon Bockmann Moreira. É falaciosa a compreensão de que as partes, ou mesmo o regulador podem prever todos os elementos de custos necessários e suportados pelo detentor da infraestrutura. Integra o conceito de segurança jurídica, a dinâmica de formação justa e adequada do preço pelo compartilhamento.


3.4 O bloco regulamentado frente ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito

Seria ainda possível argumento, em contraposição à posição acima aposta, que a norma que prevê a fixação de preço do ponto de fixação não deveria ser aplicada aos contratos vigentes em respeito ao direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Como visto, a relação jurídica decorrente do compartilhamento não observa regime jurídico estritamente privado. A disciplina do compartilhamento é conjugada e articulada por normas estabelecidas pelas partes no contrato e por normas impostas na regulação.

As normas regulatórias não necessariamente em vigor na data da assinatura do contrato formam um bloco regulamentado, um bloco mutável. A norma que estabelece a correspondência entre o preço do compartilhamento com o custo decorrente dessa relação é uma norma de ordem pública, extraída do próprio sistema jurídico, portanto, comporta incidência plena e imediata, de forma a alcançar contratos em curso.[77] Com efeito, o próprio contrato de compartilhamento já estabelece a sua mutabilidade, ao remeter parte de seu conteúdo à regulamentação vigente.


[1] Anexo à Resolução Conjunta Aneel e Anatel nº 004/2014, art. 1º: “Estabelecer o valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos) como preço de referência do Ponto de Fixação para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, referenciado à data de publicação desta Resolução. [...] Art. 11. Na hipótese da Comissão de Resolução de Conflitos ser acionada para dirimir o conflito sobre preço do ponto de fixação nos casos que envolvam prestadoras de Serviço de Telecomunicações no Regime Público, deverá ser observado período de transição de até 10 (dez) anos, durante o qual o preço será gradativa e linearmente elevado até atingir o novo valor estabelecido pela Comissão. Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se às renovações dos contratos vigentes na data de publicação desta resolução.” (ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações. Resolução Conjunta nº 4, de 16 de dezembro de 2014. Aprova o preço de referência para o compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, a ser utilizado nos processos de resolução de conflitos, e estabelece regras para uso e ocupação dos Pontos de Fixação. Disponível em: https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/resolucoes-conjuntas/820-resolucaoconjunta-4. Acesso em: 29 set. 2021). [2] ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Procuradoria Federal. Parecer nº 244/2009-PF/ANEEL. Brasília: ANEEL, 2009. p. 22. [3] Lei nº 8.987/1995, art. 11: “No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [4] Exemplificativamente, estas são algumas das cláusulas tiradas do Contrato de Concessão n.º 058/2000-ANEEL: “CLÁUSULA SEGUNDA – OBJETO [...] Segunda Subcláusula – A TRANSMISSORA aceita que a exploração do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO de que é titular seja realizada como função de utilidade pública prioritária, comprometendo-se a somente exercer outras atividades empresariais nos termos e condições previstas em regulamentação expedida pela ANEEL. Terceira Subcláusula – Até que seja expedida a regulamentação prevista na Subcláusula anterior, o exercício de outras atividades empresariais dependerá de prévia autorização da ANEEL. Desde já, fica acordado que a receita auferida com outras atividades deverá ter parte destinada a contribuir para a modicidade das tarifas do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, a qual será considerada nas REVISÕES PERIÓDICAS de que trata a CLÁUSULA SEXTA deste CONTRATO.” “CLÁUSULA TERCEIRA – CONDIÇÕES DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – Na prestação do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO referido neste CONTRATO, a TRANSMISSORA terá liberdade na direção de seus negócios, investimentos, pessoal, material e tecnologia, observados os termos deste CONTRATO, a legislação específica, as normas regulamentares e as instruções e determinações do PODER CONCEDENTE e da ANEEL. [...] Segunda Subcláusula – A TRANSMISSORA poderá fazer uso compartilhado da infra-estrutura do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, infra-estrutura de telecomunicações e outras nos termos estabelecidos pela regulamentação específica expedida pelas agências reguladoras federais. Terceira Subcláusula – O compartilhamento da infra-estrutura do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, de que trata a Subcláusula anterior, dar-se-á mediante instrumento contratual próprio a título oneroso.” [5] “Por isso fica descartada qualquer possibilidade de a ANEEL estabelecer condições econômicas pelo uso secundário dos postes com base no art. 11 da Lei de Concessões. E isso por uma razão óbvia: porque o uso secundário dos bens vinculados à concessão de serviço público pela empresa concessionária não passa de uma atividade empresarial como outra qualquer. Definitivamente a Lei de Concessões não deu ao poder concedente competência para regular as condições de arrecadação da receita alternativa, fosse estabelecendo metas, prazos ou condições de arrecadação. E a razão pela qual não fez isso é porque essa atividade de exploração secundária dos bens vinculados à atividade principal que cabe ao concessionário desenvolver não faz parte da concessão de serviço público.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Estudo jurídico sobre o preço de compartilhamento de infra-estrutura de energia elétrica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 4, p. 8, jan. 2006). [6] Lei nº 9.472/1997, art. 73: “As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. Parágrafo único. Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [7] Cláusulas necessárias que compõem o contrato de compartilhamento, conforme o anexo à Resolução Conjunta Aneel, Anatel e ANP n° 001/1999, art. 20: “O contrato de compartilhamento de infra-estrutura deverá dispor, essencialmente, sobre o seguinte: I - objeto; II - modo e forma de compartilhamento da infra-estrutura; III - direitos, garantias e obrigações das partes; IV - preços a serem cobrados e demais condições comerciais; V - formas de acertos de contas entre as partes; VI - condições de compartilhamento da infra-estrutura; VII - condições técnicas relativas à implementação, segurança dos serviços e das instalações e qualidade; VIII - cláusula específica que garanta o cumprimento do disposto no art. 5º deste Regulamento; IX - proibição de sublocação da infra-estrutura ou de sua utilização para fins não previstos no contrato sem a prévia anuência do Detentor; X - multas e demais sanções; XI - foro e modo para solução extrajudicial das divergências contratuais; XII - prazos de implantação e de vigência; e XIII - condições de extinção.” (ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações; ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Resolução Conjunta nº 1, de 24 de novembro de 1999. Aprova o Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infra-Estrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/res1999001cj.pdf. Acesso em: 29 set. 2021). [8] Anexo à Resolução Conjunta Aneel/Anatel/ANP n° 001/1999, art. 16, caput: “A eficácia do contrato de compartilhamento de infra-estrutura condiciona-se à sua homologação pela Agência reguladora do setor de atuação do Detentor.” (Idem). [9] Conforme Paulo Todescan Lessa Mattos, “se há competição entre redes, existindo mais de uma escolha para o compartilhamento por parte do demandante por acesso à rede em uma mesma localidade, a formação de preços poderia ser livre, observado o disposto no artigo 129 da Lei Geral de Telecomunicações e na Lei de Defesa da Concorrência. Contudo, se estamos diante de redes que são a única alternativa para o compartilhamento, a literatura econômica é clara ao estabelecer que, nesses casos, justificasse alguma forma de regulação do processo de precificação, mesmo que na forma de preços de referência balizados por modelos de custos.” (MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Desafios da regulação de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 10, nº 40, p. 231-249, out/dez. 2012). [10] Segundo Natália de Almeida Moreno, “a ratio da regulação econômica, que tem uma de suas principais expressões nas regras de acesso a infraestruturas essenciais, consiste, precisamente, no fato de o objeto da regulação – no caso, a rede – ser dotado de características especiais (monopólio natural, grave assimetria entre incumbente histórico e entrantes, desverticalização incompleta ou insuficiente do detentor/operador da rede, etc.), de tal forma que o exercício livre de sua exploração resulta em danos aos competidores, ao mercado e aos consumidores. A regulação das condições e dos preços de acesso, portanto, volta-se a construir artificialmente mercado onde as suas forças naturais não permitem que ele exista equilibradamente, operando como degrau de acesso aos novos entrantes e contraponto ao poder de mercado do incumbente.” (MORENO, Natália de Almeida. Smart Grids e a modelagem regulatória de infraestruturas. Rio de Janeiro: Synergia Editora, 2015. p. 290). [11] GANS, Joshua S. Regulating Private Infrastructure Investment: Optimal Pricing for Access to Essential Facilities. Journal of Regulatory Economics, [s.l.], v. 20, p. 167-189, 2001. [12] O posicionamento que se pretende rebater foi enunciado por Carlos Ari Sudfeld, que assim opina: “Singelamente, pode-se dizer que esse uso secundário da infra-estrutura instaura uma relação jurídica contratual que tem certas semelhanças com a locação de espaço físico. Neste contexto, a exploração comercial, pelas distribuidoras de energia elétrica, dos postes – isto é, sua cessão parcial e onerosa para operadoras de telecomunicações e de TV a Cabo – é uma atividade econômica comum, sujeita à regra da livre negociação e da livre formação de preços. Trata-se de uma atividade própria de um mercado livre, franqueado aos detentores desses meios, sujeita à regra geral da liberdade de ação.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Estudo jurídico sobre o preço de compartilhamento de infra-estrutura de energia elétrica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, nº 4, p. 8, jan. 2006). [13] Sundfeld aproxima o compartilhamento dos postes à hipótese do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) intervir nas condições e nos preços praticados pelos concessionários no caso de cessão de espaço para colocação de “outdoors”. É pretender igualar a instalação de “outdoors” ao dever legal imposto de compartilhar o poste, para a fruição de serviço essencial de telecomunicações (Idem). [14] Segundo a Comissão Europeia para Concorrência, o consumidor deve ser protegido direta e indiretamente pela política de concorrência. Nesse sentido, o artigo 102 (a) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prescreve como conduta abusiva a prática de preços abusivos, quem consiste em “impor de forma direta ou indireta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transação não equitativas” (PORTUGAL. Lei nº 19/2012. Aprova o novo regime jurídico da concorrência. Diário da República Eletrônico, nº 89/2012, Série I de 8 de maio de 2012. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/115346788/201910031855/73539113/diploma/indice. Acesso em: 25 out. 2021). [15] Lei nº 12.529/2011, art. 31: “Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.” (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [16] De acordo com Carolina Moura Lebbos, “[a] introdução de elementos concorrenciais em setores antes reservados ao monopólio estatal e a instituição de agências reguladoras para ordenar esses setores, a partir de meados da década de 90, paralelamente ao fortalecimento e consolidação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, trouxe à tona questões referentes à divisão de competências e à articulação entre essas autoridades. As agências reguladoras possuem a competência de implementação e proteção da concorrência nos setores por elas regulados. No entanto, essa competência não afasta a possiblidade e os órgãos de defesa da concorrência também exercerem as atividades de investigação, repressão e prevenção de atos lesivos à concorrência em tais setores. Assim, considerando que a defesa da concorrência nos mercados regulados caracteriza-se como escopo tanto dos reguladores setoriais quanto das autoridades antitruste, impõe-se saber como se repartem as competências entre eles e como garantir sua articulação” (LEBBOS, Carolina Moura. Divisão de competências e articulação entre reguladores setoriais e órgãos de defesa da concorrência. In: MOREIRA, Egon Bockmann; MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Direito concorrencial e regulação econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 217-218). [17] Para Victor Hugo Pavoni Vanelli, “[a] pretexto de exercer sua função antitruste, o CADE eventualmente invade a esfera de atribuição das agências setoriais criando conceitos específicos ou modificando-os, a despeita das normas editadas pelas agências acerca desses conceitos. De outro lado, o CADE também contraria decisões concretas das demais agências, entendendo determinadas práticas econômicas como irregulares quando as agências já definiram a sua regularidade no âmbito de seus setores econômicos específicos, com base nas peculiaridades de cada setor econômico.” (VANELLI, Victor Hugo Pavoni. Limites das atribuições sancionatórias do CADE frente às definições técnicas das agências In: JUSTEN FILHO, Marçal; SILVA, Marco Aurélio de Barcelos (coord.). Direito da infraestrutura: estudos de temas relevantes. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 399-413. p. 405). [18] Segundo o art. 173, § 4º, da Constituição da República, “[...] a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [19] Sobre conflito de atribuições entre o CADE e ANTAQ, o CADE se manifestou no seguinte sentido: “É evidente que a atividade judicante do CADE – que decorre de expressa determinação constitucional, quando determina que a lei reprimirá o abuso do poder econômico (art. 173, § 4º, da CR/88) – não pode ficar condicionada à existência ou não de regulação específica para determinada matéria. Certo é que ao CADE não é dado o poder de revisão dos dispositivos emanados pelo poder regulador, mormente quando tais dispositivos dizem respeito à regulação técnica e econômica de determinado setor. Não é o CADE um “revisor” de políticas públicas, porque, em agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração à ordem econômica, é dever das autoridades antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei nº 8.884/94 [lei antiga do CADE], de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17. Trecho do voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva. Dj: 27/04/2005). [20] No Processo Administrativo do CADE nº 08012.007443/99-17, o Relator, o Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, destacou: “A existência de regulação no setor portuário não impede a aplicação da Lei 8.884/94. Ao contrário, o modelo de regulação proposto prevê expressamente a concorrência entre os atores envolvidos, qual só pode ser preservada com a observância da Lei de Defesa da Concorrência. [...] Nesse sentido manifestou-se a douta Procuradoria do CADE: ‘Não se pode aceitar o argumento de que a atividade está sujeita a regulação, e, portanto, fora do alcance da lei antitruste. Mesmo em mercados regulados, os agentes econômicos, como maximizadores de lucro, tendem a adotar condutas anticompetitivas. Estas, por sua vez, causam falhas no mercado e podem eliminar a concorrência, tornando necessária a intervenção estatal para corrigir as falhas, protegendo os interesses públicos envolvidos.’” (Idem). [21] Segundo Carolina Moura Lebbos, “a) regulação técnica, regulação econômica e defesa da concorrência a cargo da autoridade setorial. Nesse modelo, os reguladores setoriais realizam as três atribuições, não havendo espaço para a atuação das autoridades de defesa da concorrência nos setores regulados. Verifica-se, pois, ênfase sobre os aspectos regulatórios setoriais; b) regulação técnica e regulação econômica a cargo da autoridade setorial e defesa da concorrência a cargo da autoridade antitruste. Consiste no modelo de competências complementares. As atribuições entre as duas autoridades não se sobrepõem. Assim como o modelo (a), este privilegia a autoridade setorial; c) regulação técnica a cargo da autoridade setorial e regulação econômica e defesa da concorrência a cargo da autoridade setorial e da autoridade antitruste. Trata-se do modelo de competências concorrentes. Tanto as autoridades setoriais quanto as autoridades de defesa de concorrência possuem competência para estabelecer normas de regulação econômica, bem como aplicar o Direito Antitruste; d) regulação técnica a cargo da autoridade setorial e regulação econômica e defesa da concorrência a cargo da autoridade antitruste. Nesse modelo restringe-se a atividade dos reguladores setoriais ao mínimo possível. Privilegia-se a atuação dos órgãos de defesa da concorrência.” (LEBBOS, Carolina Moura. Divisão de competências e articulação entre reguladores setoriais e órgãos de defesa da concorrência. In: MOREIRA, Egon Bockmann; MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Direito concorrencial e regulação econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 223-223). [22] As atribuições do CADE, no âmbito do Direito antitruste, têm caráter sancionador (arts. 9º, incisos II e III, e 36 e seguintes, todos da Lei nº 12.529/2011) (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [23] Lei nº 12.529/2011, art. 9º, § 3º: “As autoridades federais, os diretores de autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista federais e agências reguladoras são obrigados a prestar, sob pena de responsabilidade, toda a assistência e colaboração que lhes for solicitada pelo Cade, inclusive elaborando pareceres técnicos sobre as matérias de sua competência.” (Idem). [24] Para Carlos Ragazzo: “[...] a doutrina do institucionalismo comparado simplesmente identifica qual órgão é o mais apropriado para adotar determinada decisão (quando o caso trata de pretensa acusação de preços abusivos, ressalto), o que implica um raciocínio de separação de Poderes mais sofisticado, pois mesmo entre órgãos do Executivo pode haver habilidades ou performances diferenciadas para cada tipo de função que é atribuída por lei. A lógica do institucionalismo comparado também se aplicaria à sugestão de competência do CADE para punir sociedades que descumprem regras de regulação de preços (como price caps e taxa de retorno, entre outras). Para verificar eventual descumprimento regulatório, certamente as agências que desenharam as regras tarifárias possuem vantagem institucional para puni-las. Devo, no entanto, fazer uma ressalva. É claro que haverá situações em que descumprimentos regulatórios também poderão representar infrações à ordem econômica. [...] Trata-se de dois tipos de violação distintos e que possuem traços comuns, mas que não se equiparam, em função de duas razões: (i) nem sempre o objetivo regulatório encontra paralelo no objetivo de preservação e/ou fomento da concorrência, mas pode haver espaço ou circunstância em que vários objetivos possam coexistir; e (ii) os requisitos para configuração de um ilícito regulatório e de um ilícito antitruste podem não ser os mesmos.” (RAGAZZO, Carlos Emannuel Joppert. A eficácia jurídica da norma de preço abusivo. Selected Works, p. 205, 2012). [25] Segundo Carolina Moura Lebbos, “[a] regulação econômica refere-se basicamente às medidas de estabelecimento de preços, tarifas e quantidades a serem observadas no fornecimento de bens ou serviços regulados, de práticas normais de comércio e proteção do consumidor (como publicidade e horários de atendimento) e de definição de acesso não discriminatório a redes básicas. A adequada atribuição dessas competências ao regulador setorial ou aos órgãos antitrustes não se afigura tão evidente quanto no caso da regulação técnica. Em especial em relação à disciplina do acesso às redes de infraestrutura, não é possível definir, de antemão, qual a autoridade mais indicada para exercer esse tipo de regulação. Possivelmente será necessária uma atuação complementar ou haverá sobreposição de competências entre as duas autoridades.” (LEBBOS, Carolina Moura. Divisão de competências e articulação entre reguladores setoriais e órgãos de defesa da concorrência. In: MOREIRA, Egon Bockmann; MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Direito concorrencial e regulação econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 222). [26] Lei nº 12.529/2011, art. 36: “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [...] III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante [...].” (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [27] A regulação setorial de correção de preços abusivos deve ser prestigiada e, assim, a atuação do CADE seria residual e excepcional, justificada pelas seguintes razões: “As circunstâncias favoráveis à persecução de preços abusivos como conduta antitruste incluem: (i) um potencial limitado de autocorreção do mercado devido a barreiras à entrada permanentemente altas; (ii) inexistência de autocorreção dos preços abusivos; e (iii) ausência ou atuação fraca da autoridade setorial ou existência de falha regulatória. Mas a principal razão a favor da investigação de casos de preços abusivos é o fato de que a prática gera impacto negativo direto sobre os consumidores, por meio da diminuição do excedente do consumidor” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08700.005499/2015-51. Nota Técnica nº 7/2020/CGAA3/SGA1/SG/CADE, 01/04/2020). [28] OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Glossary of Industrial Organization Economics and Competition Law. 2002. Disponível em: http://www.oecd.org/regreform/sectors/2376087.pdf. Acesso em: 19 ago. 2021. [29] O preço abusivo seria decorrência de uma conduta ilícita precedente. As soluções de intervenção somente seriam possíveis caso o setor apresentasse externalidade social ou qualquer falha de mercado que demandasse solução (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08012.000966/2000-01. Dj 07/07/2008). [30] Berkey Photo, Inc. v Eastman Kodak Co., 603 F.2d 263, 297 (2d Cir. 1979) e Blue Cross and Blue Shield United of Wisconsin v. Marshfield Clinic, 65 F.3d 1406, 1413 (7th Cir. 1995), citing National Reporting Co. v. Alderson Reporting Co., 763 F.2d 1020, 1023-24 (8th Cir. 1985); U.S. v. Aluminum Co. of América, 148 F.2d 416, 430 (2d Cir. 1945); Ball Memorial Hospital, Inc. v. Mutual Hospital Ins., Inc., 784 F.2d at 1325, 1339 (7th Cir. 1986); Berkey Photo, 603 F.2d at 296-98. [31] Lei nº 12.529/2011, art. 36: “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo [...].” (grifo nosso) (BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [32] Voto do Conselheiro-relator Luiz Carlos Delorme Prado no Processo Administrativo nº 08012.005559/1999-21: “O aumento abusivo de preços é um indício de infração à ordem econômica, mas não uma infração per se. Ou seja, em um mercado competitivo, pode não haver abuso de preço, já que qualquer aumento acima do preço de equilíbrio teria efeito imediato sobre o volume de venda da empresa, tornando inviável a sustentabilidade desse aumento. Portanto, não pode haver um caso antitruste de mero aumento de preço, mas apenas um caso em que tal aumento de preço foi possível em decorrência do uso abusivo de poder de mercado. Esta é a situação, por exemplo, de um aumento de preço para um concorrente não integrado, efetuado por uma empresa integrada. Ou ainda, do aumento realizado através da ação coordenada entre concorrentes.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08012.005559/1999-21. Relator: Luiz Carlos Delorme Prado. Publicação: 30/10/2007). [33] Conforme a Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50/2001, “[o] exercício do poder de mercado consiste no ato de uma empresa unilateralmente, ou de um grupo de empresas coordenadamente, aumentar os preços (ou reduzir quantidades), diminuir a qualidade ou a variedade dos produtos ou serviços, ou ainda, reduzir o ritmo de inovações com relação aos níveis que vigorariam sob condições de concorrência irrestrita, por um período razoável de tempo, com a finalidade de aumentar seus lucros.” (MINISTÉRIO DA FAZENDA; MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001. Guia para análise econômica de atos de concentração horizontal. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/portarias/2001portariaConjunta50-1_guia_para_analise_economica_de_atos_de_concentracao.pdf. Acesso em: 29 set. 2021). [34] Voto vogal da então Presidente do CADE Elizabeth Farina, proferido no Processo Administrativo nº 08012.007514/2000-79: “O inciso XXIV do art. 21 da Lei 8.884/94 que trata da imposição de “preços excessivos, ou de aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço”, é peculiar, no sentido de que, diferentemente dos demais incisos, não encontra respaldo na teoria econômica. [...] O preço excessivo seria mais propriamente uma consequência de infrações cometidas pelo agente econômico que pretende alcançar e exercer o poder de mercado, do que uma infração em si. Trata-se de aplicar, aqui, o sentido jurídico do termo “arbitrário”: que procede do livre arbítrio de alguém e viola as normas legais. Portanto, só faz sentido a preocupação com preços excessivos se esses forem decorrentes de alguma outra estratégia anticompetitiva, que estará caracterizada também em outros incisos do art. 21 da Lei 8.884/94. Assim, se o preço excessivo é obtido por meio de ação coordenada com os rivais, estaria caracterizado o comportamento descrito nos incisos I, II e/ou III, dependendo da forma com que se origina o cartel; se os preços excessivos decorrem do cerceamento ao acesso a alguma infraestrutura essencial, a conduta estaria disposta também no inciso VI; se consequência de domínio de uma relação vertical tal qual o agente econômico produza, por meio do controle que detém no mercado, uma eliminação de concorrente de maneira artificial, esta também seria prática condenável por conduta diversa do inciso XXIV. Assim, não vejo como a prática de um preço excessivo estritamente possa ser considerada uma infração antitruste.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08012.007514/2000-79. Relator: Luiz Carlos Delorme Prado. Publicação: 30/10/2007). [35] Conforme Nota Técnica nº 268/2013, juntada ao Processo Administrativo do CADE nº 08012.002716/2001-11, “[...] da instrução realizada e dos argumentos de defesa, é possível concluir que: (i) não há racionalidade econômica nas condutas supostamente praticadas pela Representada, tendente a lesar a concorrência ou a beneficiar a própria representada; (ii) não houve favorecimento de empresa de telecomunicação do grupo econômico a que pertence a Representada; (iii) não houve recusa de acesso à infraestrutura de postes; (iv) há entidades regulatórias competentes para arbitrar conflitos negociais sobre o preço do compartilhamento.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo CADE nº 08012.002716/2001-11. p. 2090. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcWVJ37aimOmrMu5CwT4wG59nu9G8hD2IFuOsBn2d5t4v. Acesso em: 22 out. 2021). [36] Segundo Voto proferido no Processo Administrativo do CADE nº 08012.002716/2001-11, “[...] a atividade de compartilhamento de infraestrutura de postes, do ponto de vista da empresa concessionária de energia, representa o exercício de uma atividade econômica em regime de livre iniciativa, ainda que sujeita à regulação setorial, por um prestador de serviço público de energia elétrica. De outro lado, do ponto de vista do cliente da infraestrutura, há prestadores de serviço de telecomunicação que são regulados por regras setoriais próprias e distintas daquelas a que se subordinam os prestadores de energia elétrica. Ademais, não existe – de forma a complementar esse quadro de interesses contrapostos, no qual figura um monopolista da oferta – uma orientação de metodologia de cálculo, de transparência e de controle de preço do compartilhamento determinado pelas diferentes agências regulatórias que têm competência normativa para disciplinar a questão.” [37] Entendimento esposado no Processo Administrativo nº 08012.002716/2001-11 (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo CADE nº 08012.002716/2001-11. p. 2090. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcWVJ37aimOmrMu5CwT4wG59nu9G8hD2IFuOsBn2d5t4v. Acesso em: 22 out. 2021). [38] Segundo Carolina Moura Lebbos, “[s]ão manifestos os problemas decorrentes da incerteza quanto à delimitação de competências ou da sopreposição dessas. [...] Há riscos de inconsistência na aplicação das regras de concorrência quando são aplicadas por autoridades diferentes, bem como incompatibilidade de objetivos, pois as autoridades reguladoras podem estar demasiadamente direcionadas para regular e não para maximizar a concorrência. Ademais, a autoridade antitruste pode ter dificuldades para decidir questões mais complexas do ponto de vista técnico devido à falta de informação e competências especializadas (por exemplo, identificar o que são condições razoáveis em preço e qualidade para o acesso às redes). Podem ainda surgir questões atinentes, por exemplo, à possiblidade de os órgãos antitruste desconsiderarem eventual regulação setorial anticoncorrencial ou de intervirem de maneira a contrariar os objetivos da regulação setorial.” (LEBBOS, Carolina Moura. Divisão de competências e articulação entre reguladores setoriais e órgãos de defesa da concorrência. In: MOREIRA, Egon Bockmann; MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Direito concorrencial e regulação econômica. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 227). [39] Processo Administrativo nº 08012.002716/2001-11. Nota Técnica nº 268/2013. Análise da imputação de abuso de preço. Relação comercial. Racionalidade econômica. “116. Quanto à análise de configuração de abuso de preço, tendo em vista a singularidade dos contratos firmados pela Representada, observa-se que a controvérsia nesse ponto, em muito, aproxima-se de uma lide privada, concernente a meros ajustes comerciais. 117. Diante disso, não cabe a este Conselho substituir os agentes de mercado a fim de arbitrar o preço do compartilhamento que melhor atenda as partes negociantes, muito menos quando se trata de mercado regulado por Agência específica.” (CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo CADE nº 08012.002716/2001-11. p. 2090. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcWVJ37aimOmrMu5CwT4wG59nu9G8hD2IFuOsBn2d5t4v. Acesso em: 22 set. 2021). [40] Para Jacintho Arruda Câmara, o regime jurídico próprio do controle de preços é diferente do regime jurídico das tarifas, considerando que “o controle de preços, por sua vez, recai sobre atividades econômicas em sentido próprio, ou seja, no campo típico de atuação dos particulares. O Poder Público, nesse caso, quando implementa um sistema de controle de preços, está fazendo típica intervenção no domínio econômico. Disciplina e regula atividades privadas, empregando o que se convencionou chamar de poder de polícia [...] ao controlar preços, uma vez que não existe pacto envolvendo tema quanto à conformação e atualização dos valores máximos fixados. A Administração decide com base na análise dos dados referentes ao mercado específico sob intervenção, homologando preços e atualizações de acordo com as necessidades comprovadas por esse mercado, o objetivo do controle é evitar o lucro abusivo das empresas, em sacrifício da economia popular as partes.” (CÂMARA, Jacintho Arruda. Regimes tarifários e instrumentos regulatórios de intervenção em preços. In: PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva (coord.); PINHEIRO, Luís Felipe Valerím. Direito da Infraestrutura 2. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 228/230). [41] Segundo Luís Roberto Barroso, “[d]eve-se assinalar, de plano, que o controle prévio de preços é medida própria de dirigismo econômico, e não meio legítimo de disciplina do mercado. A livre fixação de preços integra o conteúdo essencial da livre-iniciativa e não pode ser validamente vulnerada, salvo situações extremas que envolvam o próprio colapso no funcionamento do mercado. Diante de tal premissa, é possível assentar que, em situação de normalidade, independentemente dos fundamentos em tese admissíveis para a intervenção disciplinadora, o controle prévio ou a fixação de preços privados pelo Estado configura inconstitucionalidade patente. A Constituição brasileira não admite como política pública regular o controle prévio de preços.” (BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 226, p. 187-212, out. 2001. p. 208). [42] Conforme Luís Roberto Barroso, “[a]dmite-se, todavia, que em situações anormais seja possível o controle prévio de preços pelo Estado, na medida em que o mercado privado como um todo tenha se deteriorado a ponto de não mais operarem a livre-iniciativa e a livre concorrência de forma regular. Nesses casos – excepcionais, repita-se – a intervenção se justifica, afastando o limite material acima referido, exatamente para reconstruir a prática de tais princípios. Isto é: para reordenar o mercado concorrencial de modo que a livre-iniciativa e seus corolários possam efetivamente funcionar. Note-se, porém, que o controle prévio de preços só é admissível por esse fundamento. E, mesmo assim, observado o princípio da razoabilidade [...].” (BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 226, p. 187-212, out. 2001. p. 209). [43] A intervenção na formação do preço resultado da relação contratual depende de norma expressa que outorga a competência ao ente regulador. Segundo Eros Roberto Grau, nos termos do art. 170, caput, c/c art. 5º, II, e art. 174, todos da CF, a capacidade normativa da Aneel para estabelecer o preço e limitar a livre negociação estaria subordinada à expressa determinação e autorização legal, o que de fato, segundo o autor, não ocorre. Em suas palavras, “para que a ANEEL pudesse exercer competência regulatória limitadora da livre negociação, especialmente no que diz respeito à formação do preço pelo uso dos postes (cuja exploração é atividade econômica e não prestação de serviço público), seria necessário que norma expressa lhe outorgasse essa competência. O exercício desse poder, por se configurar em uma verdadeira interferência do Estado em atividade econômica, depende de prévia previsão legal.” (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. 3. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000. p. 173). [44] “Lei n.º 9.478/97, art. 58: “Faculta-se a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais marítimos existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao titular das instalações. § 1.º A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada, caso não haja acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com o mercado. § 2.º A ANP regulará a preferência a ser atribuída ao proprietário das instalações para movimentação de seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização da capacidade de transporte pelos meios disponíveis.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm. Acesso em: 2 out. 2021). [45] Lei n.º 9.427/1996, art. 3º: “Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL: [...] VI – fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15 da Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos; VII – articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação dos preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9427cons.htm. Acesso em: 29 set. 2021). Lei n.º 9.074/1995: “Art. 15. [...] § 6.º É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9074cons.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [46] Lei nº 9.472/97, art. 153: “As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto nesta Lei e nos termos da regulamentação. § 1.º O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de homologação pela Agência, arquivando-se uma de suas vias na Biblioteca para consulta por qualquer interessado. § 2.º Não havendo acordo entre os interessados, a Agência, por provocação de um deles, arbitrará as condições para a interconexão.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9472.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [47] Ao examinar o tema da liberdade administrativa, Caio Tácito observa que “[o] episódio central da história administrativa do século XIX é a subordinação do Estado ao regime de legalidade. A lei, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos como sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa onde principia a vedação legal. O Executivo opera dentro dos limites traçados pelo Legislativo, sob a vigilância do Judiciário.” (TÁCITO, Caio. Do Estado Liberal ao Estado do Bem-estar Social. In: TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público: estudos e pareceres. v. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 2). [48] Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 104). [49] SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Atualizado por Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2005. [50] OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almeida, 2003. p. 271. [51] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 11. [52] Defendemos a posição de Carlos Vinícius Alves Ribeiro, que observa: “[...] não é pelo fato de a expressão interesse público estar presente em algumas patologias administrativas (desvio de poder), que se deverá sustentar o seu fim. Ademais, a expressão continua presente em várias normas jurídicas, como nos artigos 49 e 78, XII, da Lei 8.666/93. A própria Constituição da República, por inúmeras vezes, valeu-se da expressão (art. 19, inc. I, art. 37, inc. IX, art. 57, §6º, inc. II, art. 66, § 1º, art. 93, inc. VIII e IX, art. 95, inc. II, art. 114, § 3º, art. 128, § 5º, inc. I, b e art. 231, § 6º), sem contar as duas vezes em que a expressão foi utilizada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.” (RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. Interesse público: um conceito jurídico determinável. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (coord. geral). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 116). [53] Idem, p. 117. [54] Conforme Almiro do Couto e Silva, “a noção de que a Administração Pública é meramente aplicadora das leis é tão anacrônica e ultrapassada quanto a de que o direito seria apenas um limite para o administrador. Por certo, não prescinde a Administração Pública de uma autorização legal para agir, mas, no exercício de competência legalmente definida, têm os agentes públicos, se visualizado o Estado em termos globais, um dilatado campo de liberdade para desempenhar a função formadora, que é hoje universalmente reconhecida ao Poder Público” (SILVA, Almiro do Couto e. Poder discricionário no Direito Administrativo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, nº 179/180, p. 53, 1990). [55] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 140. [56] FAVOREU, Louis. A evolução e a mutação do Direito Constitucional Francês. In: JÚNIOR, José Levi Mello do et al. (coords.). Direito Constitucional. Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. São Paulo: Dialética, 1999. p. 215. [57] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 13. [58] Segundo Maria Celina Bodin, “a unidade do ordenamento é característica reconhecidamente essencial (rectius, lógica) da estrutura e da função do sistema jurídico. Ela decorre da existência (pressuposta) da norma fundamental (Grundnorm), fator determinador de validade de toda a ordem jurídica, e abrange a intolerabilidade de antinomias entre as múltiplas proposições normativas (constituindo-se, assim, em um sistema). [...] Os princípios e valores constitucionais devem se estender a todas as normas do ordenamento, sob pena de se admitir a concepção de um ‘mondo in frammenti’, logicamente incompatível com a idéia de sistema unitário.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, nº 65, p. 24, 1993). [59] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, nº 240, p. 12, 2005. [60] Segundo Paulo Lobo: “O significado mais importante é o da aplicação direta das normas constitucionais, máxime os princípios, quaisquer que sejam as relações privadas, particularmente de duas formas: a) quando inexistir norma infraconstitucional, o juiz extrairá da norma constitucional todo o conteúdo necessário para a resolução do conflito; b) quando a matéria for objeto de norma infraconstitucional, esta deverá ser interpretada em conformidade com as normas constitucionais aplicáveis. Portanto, as normas constitucionais sempre serão aplicadas em qualquer relação jurídica privada, seja integralmente, seja pela conformação das normas infraconstitucionais.” (LOBO, Paulo. A constitucionalização do Direito Civil brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil, Constitucional e relações de consumo, Fiuza, p. 217, jan./mar. 2009). [61] Conforme Paulo Lobo, “notou-se que as forças vivas da sociedade influíram efetivamente nas opções do constituinte de 1988, muito mais que na elaboração de códigos, cuja natureza técnica inibe a participação até mesmo dos parlamentares. Por essa razão, a Constituição, além de ser a norma hierarquicamente superior a todas as outras, determinante do sentido do ordenamento jurídico, absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular para servir de fundamento ou base à organização social. Esses valores forem vertidos em princípios ou regras que colorem o direito como um todo.” (Idem, p. 218). [62] Segundo Maria Celina Bodin, “[n]o Estado Democrático de Direito, delineado pela Constituição de 1988, que tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o antagonismo público-privado perdeu definitivamente o sentido. Os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza colocaram a pessoa humana – isto é, os valores existenciais – no vértice do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que tal é o valor que conforma todos os ramos do Direito.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, nº 65, p. 26, 1993). [63] Conforme Marilia Sampaio, “[é] dessa forma, sob os influxos da idéia de igualdade e do princípio democrático, que a concepção liberal dos direitos fundamentais passa por acentuadas transformações, pois, ao lado de uma dimensão subjetiva, a qual resguardava o indivíduo contra o abuso do Poder do Estado, os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, lastreada, como foi visto anteriormente, na noção de igualdade de todos no uso e fruição de tais direitos.” (SAMPAIO, Marilia de Ávila e Silva. Aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações entre particulares e a boa-fé objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 67-138. p. 88). [64] Segundo Maria Celina Bodin, “o fenômeno do intervencionismo tornou-se um dos principais mecanismos através dos quais se realiza a justiça distributiva, conforme exige o ditado constitucional. Com efeito, para se desincumbir da tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito, consistente em ‘superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social’, o Poder Público utiliza, como instrumento privilegiado, a intervenção na ordem econômica.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, nº 65, p. 25, 1993). [65] No mesmo sentido, Paulo Lobo observa a dimensão normativa dos princípios e a superação da tradicional visão da simplificada subsunção, operada pela legalidade estrita. Em suas palavras, “[a] constitucionalização do direito faz emergir o problema da dimensão normativa dos princípios. O grau de generalidade e a vacuidade ínsitos de seus conteúdos sempre foram os principais adversários de sua franca aplicabilidade. O sistema jurídico romano-germânico, a que sempre se aliou o Brasil, foi construído na valorização da legalidade estrita. A lei e não o precedente judiciário – este prevalecente no sistema jurídico de common law – é que lhe deu unidade, convertendo-se o juiz em intérprete e não criador do direito. Esse modo de ser de nosso sistema jurídico privilegiou a conduta hermenêutica simplificada da subsunção dos fatos à hipótese normativa, na estrutura formal ou deôntica rígida: se A então C; se não C então S. Rebeldes à subsunção, os princípios ficaram relegados à função supletiva e de reforço retórico, o que contribuiu para o distanciamento do direito civil das normas constitucionais, que os privilegiam.” (LOBO, Paulo. A constitucionalização do Direito Civil brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil, Constitucional e relações de consumo, Fiuza, p. 217, jan./mar. 2009. p. 221). [66] Maria Celina Bodin observa: “Ampliando ainda a importância dos princípios constitucionais na interpretação e aplicação do direito, pode-se afirmar que a leitura da legislação infraconstitucional deve ser feita sob a ótica dos valores constitucionais. Assim, mesmo em presença de aparentemente perfeita subsunção a uma norma de um caso concreto, é necessário buscar a justificativa constitucional daquele resultado hermenêutico. (MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, nº 65, p. 29, 1993). [67] Nas palavras de José Eduardo Faria, “[...] o legislador ordinário já não é mais soberano em matéria de política econômica e social, devendo pautar suas decisões legislativas pelos princípios e diretrizes constantes do novo ordenamento constitucional – princípios e diretrizes esses que não são apenas de caráter negativo, mas também de natureza positiva, na medida em que estão voltadas à consecução de determinadas metas e ao desenvolvimento de políticas públicas. Longe de ser uma intervenção excepcional e temporária do Estado no setor privado, esses princípios e diretrizes convertem o desempenho do Estado no campo socioeconômico num dever constitucional cuja ilegitimidade depende do respeito aos principais objetivos fixados pela Constituição.” (FARIA, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 102-103). [68] Conforme o art. 5º, XXXVI, CRFB/1988 c/c art. 2º, caput e inc. IX, da Lei nº 9.784/1999. [69] Código Civil de 2002: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. [...] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [70] LINDB, art. 24: “A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 2 out. 2021). [71] CRFB/1988, art. 5º, inc. XXXVI: “[...] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” (BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 set. 2021). [72] Canotilho destaca que, em decorrência dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, “o cidadão deve poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas normas.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 377). [73] Ao se deparar com caso similar, Gustavo Binenbojm apresenta as seguintes observações: “As duas hipóteses figuradas anteriormente constituem situações em que legalidade e segurança jurídica não andam juntas, mas, apresentam-se. Ao revés, como vetores de sentidos opostos. Em tais circunstâncias, com efeito, a promoção da legalidade postularia a invalidação retroativa (ex tunc) dos efeitos da licença e do contrato administrativo aventados nos exemplos, enquanto a proteção da segurança jurídica estaria a reclamar a preservação desses mesmos efeitos, quiçá não a própria convalidação dos atos que os originaram, desde a sua edição. [...] O reconhecimento da estatura constitucional do princípio da segurança jurídica confere às situações em que a Administração, por condutas suas, desperta a confiança legítima dos administrados e vem a frustrá-la posteriormente, a configuração de uma equação de ponderação entre princípios constitucionais: de um lado, há, por reconhecimento expresso, a violação ao princípio da legalidade: de outro, a afronta ao princípio da segurança jurídica. Eventual prevalência, em maior porção, da segurança sobre a legalidade não importa transigência com a ideia de Estado de direito, mas decorre de uma aplicação otimizada da Constituição.” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 191-192). [74] Segundo Aline Lícia Klein, “[d]aí que os contratos de concessão são marcados, por um lado, pela possibilidade de revisão das condições originais e, por outro, pela incompletude das previsões contratuais. É impossível predeterminar, com exatidão, toda a disciplina das prestações contratuais. Determinadas dificuldades, ainda que já existentes no momento da contratação, poderão ser reveladas apenas posteriormente. Outras tantas ocorrências verificadas ao longo do contrato determinam a necessidade de adequação das suas previsões. Em um contrato de longo prazo, fatos supervenientes inevitavelmente afetam a execução das prestações.” (KLEIN, Aline Lícia. Consensualidade na execução dos contratos de concessões rodoviárias. In: JUSTEN FILHO, Marçal; SILVA, Marco Aurélio de Barcelos (coord.). Livro Direito da Infraestrutura. Estudo de temas relevantes. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 17). [75] Sobre contratos incompletos, Flávio Amaral Garcia observa: “são incompletos porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante a execução.” (GARCIA, Flávio Amaral. Concessões, parcerias e regulação. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 148-149). [76] Egon Bockmann Moreira chama a atenção para o fato de que “na atualidade, para ser estável e perene, é necessário ser mutável. A regulação normativa não tem o atributo de prever o futuro, nem tampouco de o submeter ao Direito. Por isso que a certeza da mudança é uma premissa da segurança. O que se torna ainda mais evidente no campo da regulação dos contratos públicos (sobretudo os de longo prazo, como as concessões e as parcerias público-privadas).” (MOREIRA, Egon Bockmann. Agências administrativas, contratos de serviços e mutabilidade regulatória. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, n° 25, p. 110, jan./mar. 2009). [77] Sobre a incidência plena e imediata de normas de ordem pública, o STJ já se manifestou no seguinte sentido: RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. DIFERENCIAIS LOCATÍCIOS. MP 542/94. EFEITO IMEDIATO DA LEI NOVA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. Por ser de ordem pública, a Medida Provisória n° 542/94, convertida na Lei n° 9.069/95, é de incidência imediata e plena, alcançando os contratos em curso, sem que se lhe possa opor direito subjetivo adquirido ou ato jurídico perfeito, à razão de serem ajustados à anterior avença locatícia. 2. Precedentes. 3. Recurso conhecido e improvido. Conforme o Ministro Relator do citado julgado, HAMILTON CARVALHIDO, não é possível verificar violação a qualquer uma das dimensões que integram o princípio da segurança jurídica, pois ‘o direito subjetivo do locador é ao recebimento do locativo e às formas de reajuste – em função das necessidades de ordem pública –, e não a este ou àquele valor do tempo de celebração do contrato locatício, fundamentalmente porque as suas modificações legais subsequentes estão, por óbvio, pelo fim de melhor atender às necessidades básicas de cunho econômico e social”. De acordo com o Ministro relator, “por ser norma de ordem pública, tendo modificado o padrão monetário nacional, a Medida Provisória n° 542/94, posteriormente convertida na Lei n° 9.069/95, é de eficácia plena e imediata, alcançando os contratos de locação em curso, não implicando violação do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 94850/SP. Relator: Hamilton Carvalhido. Dj: 18/12/2002. Publicação: 04/08/2003).

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